Antes de Embarcarmos
360 minutos por dia
1.800 minutos por semana
7.200 minutos por mês
79.200 minutos por ano
2.772.000 milhões de minutos que se foram da Maria, do José e dos seus filhos Pedro, João, Antônio e Zefinha. Uma família de tripulantes que mora de aluguel há décadas. Sempre trabalharam para realizar o sonho de comprar a casa própria. Pagaram por todos os minutos que se foram. Pelos milhares de minutos apertados que estiveram presos nessa embarcação. Viajam sempre separados. Distantes um do outro. Cada qual em um ponto desse mar gigante, dessas águas salgadas que, lentamente, devoram o tempo e devoram todos os centavos suados desses trabalhadores que juntos pagaram, aproximadamente, R$ 277.000,00. Devoram as vidas presas no olhar cansado nas janelas desses navios que, todos os dias, navegam pelo gigante mar cinzento.
1.440 minutos por dia
10.080 minutos por semana
40.320 minutos por mês
483.840 minutos por ano
2.943.360 milhões de minutos já se passaram desde que nós, artistas da Zózima Trupe, decidimos tecer uma pesquisa teatral continuada em busca de um teatro do encontro sem fronteiras na cidade de São Paulo. Começamos nossa viagem em 2007. Plantamos no ferro frio do ônibus o ninho. Fizemos do ônibus nossa metaphorai, nosso elemento condutor de pesquisa. E, para nós, o ônibus, como símbolo do popular, do coletivo, é uma aposta biopolítica de reapropriação da legitimidade do poder de criar e refletir dos sujeitos sociais sobre suas vidas que, diariamente, são massacradas por esse veículo. Transformar esse espaço em arte, em encontro, é plantar uma semente poderosa que fica na memória. É subverter a lógica desse tempo e preencher de poesia os muitos minutos perdidos em trânsito.
(...)
Queremos resistir e residir artisticamente. Queremos transformar o ônibus em um espaço de ressignificação da vida. Mas precisamos vencer a falta de investimento em cultura e a morosidade da burocracia para a realização de atividades de intervenção no espaço público. Propomos dividir histórias, olhares e respirações. Dia após dia nos debruçamos sobre a urgência das histórias, sobre a possibilidade de compartilhar a conquista do espaço. Buscamos momentos de criação que saltam de contradições. Acreditamos que no cotidiano há, ali, condições de transformação. Há o tempo possível sobre rodas.
Anderson Maurício & Zózima Trupe, janeiro de 2014. Texto escrito para o projeto Os minutos que se vão com o tempo - da imobilidade humana ao direito à poesia, à cidade, à vida, contemplado pela 24ª edição do Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a cidade de São Paulo.