Por Um Teatro do Encontro
Sentir saudade é o ato mais sublime de todos os seres. Das pedras. Das rosas. Das pessoas. Das portas. Das árvores. Dos cães. Das estrelas. Do limo. Só a saudade faz a gente sonhar-acreditar que a vida-teatro é lavoura intensa. Vazão-vazão. Vamos-vamos. Que teatro é morada de todos. Casa de fazer farinha/remendar retalhos/remo de rezar imagens. Vazão-vazão. Vamos-vamos. Que estamos na cidade. Que somos a estrada. A palavra. Feito arrimo. Feito arroio. Feito cordel. Vazão-vazão. Vamos-vamos. Inventar ESPAÇOS. Re-inventar passos. Poços. Com ritmo. Rito. Roda. Residir. Ir. Construir. Pintar com barro & lama. Praças. Feiras. Ruas. TERMINAIS. TERRA. Minerais.
Residir: Ir. Construir.
RESIDIR: amar o ventre da cidade.
IR: tecer caminhos na carpintaria dos rostos.
CONSTRUIR: levantar canteiros paredes cumeeiras.
Celebrar o clarão. Espalhar o clarão. Que galo sozinho não tece manhã. Cavoucar olhos d’água. Amar a cantoria. Sentir no CORPO a cantoria. Cantar o corpo. A PALAVRA. A poesia dos povos. O labor dos povos. Amar o CHÃO. O barro. Mulheres de carvão. Senhoras. Sinhás. SINHÁ ZÓZIMA. Mãe com menino no colo. Mulher de branco na venda. Rachar o tempo. Raspar rebarbas. Polir tesouros. Aguar os olhos. Costurar ruas com brisa & breu. Ver pela janela: aquarela. Ver de perto. Sentir o perfume doce-azedo da multidão. Ser TRUPE. Sentir-enxugar o sangue grosso-bruto-puro do homem-cru da cidade. Plantar no ferro frio do ônibus o ninho. Colher o pássaro. Livre.
Encontrar nos olhos: suor afago cheiro.
Encontrar nas mãos: cravos poEIRA fé.
Encontrar no pé: esteio estio sol: POesia.
Dizer tu. Dizer eu. Dizer nós. Repartir o arroz. O feijão. O chá. A cachaça. A erva cidreira. Ser pessoa. Ser sujeito. Ser multidão. Lembrar. Lembrar sempre: que esquecer é oprimir. Celebrar a memória abrupta dos rostos. A memória do chão. Do fóssil. Do sonho. Da força. Re-inventar. PRONUNCIAR. Movimentar. Teatro não é marasmo. Pedra. Teatro é vida-terra-água. Tamborete. Terreiro. Re-inventar. Pronunciar. Movimentar. Espaço não é marasmo. Espaço é canção de roda. Roda de ÔNIBUS. Ciranda. Samba. Carimbó. Que todos os paços são públicos. Que coletivo é cingir ribanceiras. Que poço é onde a mãe a vó o pai a dona joana-rezadeira o seu josé-motorista o andré-passageiro plantam a água com cor de sonho. Gosto de aurora.
Vamos-vamos. Por um TEATRO DO ENCONTRO SEM FRONTEIRAS. Pelo direito à arte. Por um transporte coletivo digno. Por um espaço verdadeiramente público. Pela MEMÓRIA & CULTURA DO POVO como cerne/morada. Pela liberdade de IMPRESSÃO. Pela liberdade de UTOPIA.
Porque todo teatro é vida.
Toda vida é encontro.
Todo encontro é memória.
E ninguém morre quando vive na memória de alguém.
Ninguém
Morre.
Rudinei Borges, dramaturgo & Anderson Maurício, diretor & Zózima Trupe. Terminal Parque D. Pedro II - São Paulo, 20 de agosto de 2011. Manifesto publicado no projeto Plantar no ferro frio do ônibus o ninho - residência artística por um teatro do encontro sem fronteiras, contemplado pela 20ª edição do Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a cidade de São Paulo.